sábado, 10 de julho de 2010



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Musica litúrgica - a Comunhão
Postado por Alfredo Votta
Sigamos, chegando ao último capítulo, nossa série de textos sobre o Próprio da Missa. Esta série começou no dia 14 de Fevereiro de 2010. Depois de quase quatro meses, chegamos à Comunhão, o último item.

Estes são os links para as postagens anteriores:

Introito
Salmo Responsorial
Gradual
Aclamação antes do Evangelho
Seqüência
Ofertório

*

A Santa Missa, celebrada em Rito Romano ou em qualquer dos ritos legítimos da Igreja, traz em si o estupendo milagre da presença real de Cristo nas espécies eucarísticas. O milagre não só impressiona por si mesmo, mas também por ocorrer em todas as vezes que a Missa é celebrada, desde há quase dois mil anos: um milagre tremendo se repetindo incessantemente, um incontável número de vezes ao longo da história desde a sua primeira ocorrência, pelas mãos do próprio Deus, quando sua celebração foi instituída.

Acredito não errar demais quando digo ser este o acontecimento mais impressionante da Santa Missa. Em segundo lugar, mas igualmente fenomenal à compreensão humana, está a ideia de receber o Corpo do próprio Cristo como alimento. Isto é a Comunhão. Se ela não existisse, a transformação do pão e do vinho em Corpo e Sangue de Cristo já seria suficientemente espantosa. Mas que os fiéis sejam alimentados por estes elementos torna tudo ainda mais grandioso.

Na Missa, a Comunhão se faz acompanhar por música. Para a Forma Ordinária, eis as instruções da IGMR:

86. Enquanto o sacerdote recebe o Sacramento, entoa-se o canto da comunhão que exprime, pela unidade das vozes, a união espiritual dos comungantes, demonstra a alegria dos corações e realça mais a índole "comunitária" da procissão para receber a Eucaristia. O canto prolonga-se enquanto se ministra a Comunhão aos fiéis. Havendo, porém, um hino após a Comunhão, encerre-se em tempo o canto da Comunhão.


Haja o cuidado para que também os cantores possam comungar com facilidade.


87. Para o canto da comunhão pode-se tomar a antífona do Gradual romano, com ou sem o salmo, a antífona com o salmo do Gradual Simples ou outro canto adequado, aprovado pela Conferência dos Bispos. O canto é executado só pelo grupo dos cantores ou pelo grupo dos cantores ou cantor com o povo.


Não havendo canto, a antífona proposta no Missal pode ser recitada pelos fiéis, por alguns dentre eles ou pelo leitor, ou então pelo próprio sacerdote, depois de ter comungado, antes de distribuir a Comunhão aos fiéis.


88. Terminada a distribuição da Comunhão, ser for oportuno, o sacerdote e os fiéis oram por algum tempo em silêncio. Se desejar, toda a assembléia pode entoar ainda um salmo ou outro canto de louvor ou hino.
Vemos que, assim como no Introito, toma-se a antífona do Graduale Romanum, ou a do Graduale Simplex; existe também a antífona do Missal, que nem sempre é a mesma do Graduale Romanum (nem é a mesma do Simplex). É interessante notar que a IGMR coloca a possibilidade de que essa antífona seja recitada pelos fiéis, ou por alguns fiéis, ou pelo leitor, ou pelo próprio sacerdote.

Desta forma, observamos mais uma vez que o Próprio da Missa, do qual a antífona da Comunhão faz parte, é essencial mesmo que a celebração não utilize música. O Próprio, de fato, é uma questão litúrgica antes de ser uma questão musical. Uma vez que o respeitemos e lhe demos a importância devida, ao utilizar música saberemos que ele não deve ser deixado de lado.

Já tivemos a oportunidade, aqui, especialmente no texto sobre o Introito, e mesmo em outros, de comentar a possibilidade de a assembleia não cantar determinadas partes da Missa (especialmente o Próprio). Normalmente, esta possibilidade não deveria causar controvérsia nem ser explicada de maneira especial, mas certos rumos tomados por algumas correntes de pensamento exigem que esta ideia seja explicada e defendida praticamente a cada vez que é mencionada.

A exigência de que a assembleia cante durante a Comunhão é especialmente sem sentido, já que a recepção do Santíssimo Sacramento não facilita o canto. Mesmo quando o fiel já tenha comungado e a espécie ou espécies não estejam mais em sua boca, é muito comum que deseje recolher-se em oração. Este espírito de recolhimento, que de outra forma permeia toda a Missa, faz com que música inadequada, prejudicial na Missa inteira, seja especialmente danosa durante a Comunhão.

Lembro-me especialmente de um conhecido canto de Comunhão, usado no Brasil em certo tempo litúrgico, que, desejoso de reproduzir as terças e notas repetidas de canções sertanejas, acaba criando uma atmosfera tão ruidosa durante este momento que muitos fiéis são colocados frente a mais um desafio: rezar e meditar apesar da música, e não com o auxílio dela.

Ocorre muito também que os fiéis se levantem para comungar e cantem até o momento em que recebem a Sagrada Comunhão; a partir de então, silenciam. Mesmo que depois voltem a cantar, existe uma inconstância no canto da assembleia, neste momento, que se coloca como mais um motivo para que, novamente, apenas o cantor ou grupo de cantores se encarreguem desta tarefa.

Terminada a Comunhão, tanto o silêncio sagrado como um canto devocional podem ser introduzidos. Na Quaresma, sem dúvida, é muito bom que se tenha o silêncio. O mesmo vale para outras celebrações com algum caráter penitencial, ou, quem sabe, Missas para Fiéis Defuntos, e mesmo no Advento. Fora dessas ocasiões, proceder a um canto devocional pode ser de grande ajuda aos fiéis. Acredito que isto varie conforme o lugar.

*

Para quem tenha lido os textos anteriores desta série, a Comunhão não apresenta grandes novidades. Apresenta, mesmo assim, algumas peculiaridades.

Assim como todos os outros itens do Próprio, a Comunhão tem seu texto específico para cada Santa Missa, a “antífona de Comunhão”. Muitas vezes esse texto é tomado do livro dos Salmos; numerosas antífonas, entretanto, utilizam texto dos Evangelhos. Um exemplo é a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, cuja Comunhão traz as palavras de Jo 19, 34:

Um dos soldados abriu-lhe o lado com a lança e, imediatamente, saíram sangue e água.

Esta comunhão se chama Unus militum, e se usa nesta data litúrgica em ambas as formas do Rito Romano.


Comunhão Unus militum
da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus
em ambas as Formas do Rito Romano


Unus militum cantada por seminaristas da Diocese de Haarlem, Holanda

No vídeo a antífona é cantada do início até os 28 segundos. Segue um versículo, e aos 50 segundos a antífona surge novamente.

As melodias gregorianas para a Comunhão são de aprendizado menos difícil do que os Graduais e Ofertórios. Por esta razão, um lugar (paróquia, casa religiosa etc.) onde se deseje implantar o canto gregoriano, sem dúvida pode colocar a Comunhão entre os primeiros passos. Possivelmente o Ordinário da Missa deva ser abordado primeiro, mas não se demora muito até que se tenha habilidade para cantar também a Comunhão.

Cada Missa tem sua Comunhão própria. Entretanto, no Graduale Romanum publicado para o Rito Novo (a Forma Ordinária do Rito Romano), além de todas as Comunhões específicas, existe uma lista de sete, tomadas entre elas próprias, que são chamadas antífonas eucarísticas ad libitum. Elas podem ser cantadas em qualquer Missa.
Isto facilita muito o trabalho dos grupos de canto gregoriano. Se os cantores ainda não têm grande experiência, o fato de não poderem estudar uma Comunhão nova por semana poderia impossibilitar o uso do gregoriano nesta parte da Missa. A lista das sete antífonas é uma ajuda (e tanto!) do Graduale Romanum.

Um parêntese:
É verdade que às vezes alguns de nós reclamamos de certas imprecisões em documentos como a IGMR, o Missal, ou quaisquer outros. Com alguma freqüência constatamos que vários abusos litúrgicos encontram seu pretexto nessas lacunas (embora o simples bom senso os condene). Entretanto, não existe lacuna nem imprecisão, nos documentos da Igreja, que permita ao católico considerar, minimamente, que o canto gregoriano tenha perdido a sua honra e primazia no Rito Romano. Mesmo quem desconfia do Concílio Vaticano II pode verificar que ele mandou cultivar o gregoriano, mantendo a palavra que a Igreja sempre teve nesse aspecto. O papa Paulo VI mandou imprimir o livreto Jubilate Deo, em 1974, contendo o repertório gregoriano mínimo para toda paróquia. Foi compilado o Graduale Simplex, que até mesmo desagrada a alguns gregorianistas pela sua simplicidade, embora as fontes sejam tradicionais. O Graduale Romanum, prescrevendo a música específica de cada Liturgia, chega a um ponto quase extremo, em sua edição para o Rito Novo, de permitir que a música de qualquer dia, dentro de um certo tempo litúrgico, seja usada em outros dias do mesmo tempo litúrgico, eliminando uma dificuldade que poderia ser insuperável para alguns coros. Além disto, coloca também esta lista das sete antífonas eucarísticas ad libitum.

Fecho o parêntese.

Estas são as antífonas ad libitum:
1 – Ego sum vitis vera (Jo 15,5)
[Eu sou a videira]
Das sete antífonas eucarísticas ad libitum, quatro utilizam palavras do próprio Jesus Cristo. Esta é uma delas.

2 – Gustate et videte (Sl 33,9)
[Provai e vede]

3 – Hoc corpus (I Cor 11, 24-25)
[Isto é o meu corpo]
As palavras da consagração.

4 – Manducaverunt (Sl 77, 29-30)
[Comeram]
O salmo diz que os hebreus comeram até se saciarem, em clara aparição do maná como figura da Eucaristia.

5 – Panem de caelo (Sb 16, 20)
[O pão do céu]
No Livro da Sabedoria se fala do pão do céu, alimento dos anjos, que contém em si todas as delícias.

6 – Panis quem ego dedero (Jo 6, 52)
[O pão que eu hei de dar]
Palavras do próprio Jesus Cristo.

7 – Qui manducat (Jo 6, 57) [Quem come]
Novamente, palavras do próprio Jesus Cristo.

O leitor pode verificar que todos os textos destas sete antífonas são de temática eucarística, o que não necessariamente ocorre nas antífonas de Comunhão.
*

Muitas antífonas de Comunhão prescritas pelo Graduale do Rito Novo coincidem com aquelas dadas pelo Graduale do Rito Tridentino. No entanto, o Graduale do Rito Novo, em muitas datas, traz antífonas específicas conforme o ano litúrgico seja A, B ou C (o que não existe no Rito Tridentino).

Por exemplo: no Sexto Domingo da Páscoa (Rito Novo), existem três antífonas de Comunhão, uma para cada ano do ciclo de três anos (a antífona do ano C é a mesma usada todos os anos neste mesmo Domingo do Rito Tridentino):

-ano A: Non vos relinquam orphanos (Jo 14, 18)
-ano B: Ego vos elegi (Jo 15, 16)
-ano C: Spiritus Sanctus (Jo 14, 26).

São abundantes exemplos como este – não somente em Domingos do Tempo Comum ou da Páscoa, mas também em festas e solenidades.

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Estou certo de que o leitor gostará muito de ouvir uma Comunhão polifônica. Já tivemos a oportunidade de ouvir o grande compositor padre Tomás Luís de Victoria, e desta vez nos voltamos para o flamengo Orlando di Lasso (1532-1594), cujo nome é citado de várias maneiras: Orlando di Lasso, Orlande de Lassus... Podemos ouvir no vídeo abaixo a Comunhão Lux aeterna, da Liturgia da Missa de Requiem. O texto:

Brilhe sobre eles a luz eterna, Senhor, na companhia de vossos santos, para sempre, pois sois bom.

em latim:

Lux aeterna luceat eis, Domine, cum sanctis tuis in aeternum, quia pius es.

... é o mesmo em ambas as formas do Rito Romano.


Comunhão Lux aeterna para Missa dos Defuntos, de Orlando di Lasso
Cantada por Pro Cantione Antiqua




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Já concluída a série de textos sobre o Próprio da Missa, gostaria apenas de recapitular brevemente alguns pontos.

Como cada texto se devotou a uma das partes do Próprio, naturalmente certas questões deixaram de ser repetidas a cada nova parte. Mas é importante que as revejamos:

1
Obviamente, a menção ao latim não significa oposição ao vernáculo. A menção ao vernáculo não significa oposição ao latim. Desde o início, com a clareza de que ambas as opções são lícitas, não me preocupei mais em tocar neste assunto; mas agora, terminada a série, é importante sublinhar esta questão, já que às vezes ocorrem mal-entendidos.

2
Mesmo assim, convém reiterar que o latim é a língua oficial da Igreja, é a língua tradicional do Rito Romano e representa grau de solenidade maior do que o vernáculo.

3
As referências constantes ao gregoriano se devem ao fato de ele ser a música típica do Rito Romano. Falar dele não exclui outros tipos adequados de música. Falar dos outros tipos não exclui o gregoriano. Já escrevi aqui no Salvem a Liturgia sobre o status do gregoriano e da sua não-exclusividade. O texto é este.

4
Mesmo assim, a Igreja coloca que a música da Liturgia Romana deve ter parentesco com o canto gregoriano, mesmo quando não seja canto gregoriano.

5
Nenhuma das menções ao Rito Novo e ao Rito Tridentino importam em juízo de valor sobre qualquer um deles.

*

O "canto final" não faz parte do Próprio, não sendo previsto pela Liturgia, até mesmo porque neste momento a ação litúrgica já terminou. O canto final é uma prática devocional, e sua presença auxilia muito na beleza da Liturgia, a qual, utilizando música em tantos pontos, terminaria de modo muito estranho se não tivesse música também. O tipo de música utilizado, sem dúvida, merece todo o cuidado em sua avaliação. É comum, em muitos lugares, que se utilize música instrumental, ao órgão.

Marcadores: missa, música litúrgica, partes da missa

Um comentário:

Sônia disse...

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